A dominação que abafa a autenticidade

por Bárbara Bezerra

“ Eu já prefiro ficar calada.
Vive mais quem fala menos.
Escuto muitas coisas, mas não tenho boa memória.
Prefiro esquecer. As lembranças são dolorosas.
Quanto menos repararem em mim, melhor.
Eu nem existo. ”

Essa foi a fala de uma personagem escravizada que ouvi no teatro do SESC Guarulhos. A peça leitura de búzios tratava de uma revolta organizada entre escravos e algumas pessoas da elite baiana que se deu os nomes de Conjuração Baiana* ou revolta dos alfaiates, ou ainda a revolta dos búzios entre 1798 e 1799 contra o regime da corte de D João VI.

Os líderes desse movimento foram punidos de forma distinta: os brancos presos e os negros esquartejados. E, porque essa diferença? E, porque a punição? Essa fala da personagem escravizada, impactante para mim, trouxe-me profundas reflexões sobre a época da escravatura, onde os seres humanos escravizados eram destituídos de quase toda a liberdade.

Para muitas pessoas que representavam a classe dominadora, eles eram desprovidos de sentimentos. E isso me fez lembrar a fala de Marshall Rosenberg no Seu livro Comunicação não-violenta quando ele diz que a comunicação alienante da vida tem profundas raízes filosóficas e políticas porque a maioria de nós cresceu usando uma linguagem que ao invés de encorajar o que estamos sentindo e do que precisamos, nos estimula a julgar, rotular, comparar e exigir.

Essa visão dá ênfase à nossa maldade por isso precisamos ser “educados” para fazer “as coisas certas”. E aí eu pergunto: certas pela régua de quem? Medida pela régua de quem? Esse tipo de educação nos faz questionar se há algo de errado com os sentimentos e necessidades que estamos vivenciando e então passamos a isolar desde cedo o que se passa em nós.

Quanto a personagem escravizada, sua fala pode fazer a gente pensar que ela não sentia nada. Que era desprovida de sentimentos e necessidades! Mas provavelmente por trás daquela postura de apatia havia profundos sentimentos de medo, mágoa, ressentimento e necessidade de respeito, apoio, segurança.

A sugestão é que nos conectemos mais com o que está vivo em nós e nos importemos menos com o que as autoridades dizem ser o certo e o errado. O popular “politicamente correto”.

Por trás de qualquer rótulo, ou seja, de qualquer posição social existe um Ser humano que sabe o que está vivo dentro de si e busca vivenciar isso plenamente, sendo autêntico nas suas ações.

Bárbara Bezerra
Cirurgiã Dentista, mãe do Gabriel e esposa do Fernando, estudiosa da comunicação não-violenta e que tem como hobby fazer caminhada e ler livros.

Contatos:
Instagram – @barbarabezerra.humaniza 
YouTube – Partilhando Saberes

Nota: A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates foi um movimento político popular ocorrido em Salvador, Bahia, em 1798. Tinha como objetivos separar a Bahia de Portugal, abolir a escravatura e atender às reivindicações das camadas pobres da população.

Capa: Imagem de Freepik

Talvez você também goste...

Deixe uma resposta