José Bomfim – uma história de superação e sucesso

por Mª Aparecida Costa
publicado em: atualizado em:

Das historias vividas e contadas em minha visita à Bahia trouxe conteúdo para criar matérias para o blog por um tempão. Mas uma delas chama especialmente a minha atenção: a de um menino negro e pobre que sai de Vitória da Conquista para estudar em Salvador em meados dos anos 70.

Sua história começa antes – em 1968 com a participação em um grupo de estudantes secundaristas de Vitoria de Conquista, BA – jovens que discutiram e formaram uma entidade que os representassem. E foi desta forma que nasceu o CEUSC (Centro de Estudantes Universitários e Secundaristas de Conquista).

A criação desta entidade facilitou para que muitos jovens pudessem ir para a capital, levando na mala o sonho do ingresso em uma universidade. Se você quiser saber mais sobre este assunto, acesse: CEUSC 25 anos

Mesmo em grupo, a decisão de mudar para Salvador trouxe-lhe muitos desafios. Ele nos conta:

Quando morávamos na residência do estudante de Conquista, no bairro de Nazaré – Salvador, conseguíamos comer apenas uma vez ao dia, no refeitório da universidade. Por vezes, uma amiga com melhores condições financeiras convidava-nos a tomar uma sopa em seu apartamento. Íamos em três universitários – dois brancos e eu. E, em todas as visitas o porteiro, um homem também negro pedia a identidade apenas a mim. Até que um dia um dos amigos se incomodou e perguntou: – Amigo, porque você pede documento de identidade apenas à ele? E sem titubear o porteiro respondeu: – Porque é o único negro do grupo.

Depois do bairro de Nazaré, a residência foi para o Pelourinho, em um casarão vizinho à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Nesse período, a maioria trabalhava também como fiscal de ônibus e aí já conseguíamos nos alimentar melhor.

José Bomfim Alves de Oliveira – Jornalista
José Bomfim em Buenos Aires – Dezembro de 2018

Em julho de 1983, policiais de ACM (Antonio Carlos Magalhães) invadiram a residência, com o pretexto de procurar um suspeito de estar tentando abrir um carro estacionado na porta. Na realidade, um vizinho, convencido sabe-se lá do que, chamou os policiais (que já estavam de tocaia).

A polícia agrediu a mim (eu era o presidente da residência à época) e vários outros estudantes-moradores. E até baleou um dos meninos. Foi barra pesada.

Meninos e meninas levados presos em camburões. Éramos 80 estudantes. Só saímos da delegacia pela manhã. No dia seguinte, Salvador parou com manifestações do DCE (Diretório Central de Estudantes) e outras entidades – e nós à frente.

Em Vitória da Conquista, as manifestações também ocorreram. Infelizmente, isto causou o final da residência, todos assombrados com a violência policial (e o período era de ditadura militar) procuramos morar em outros locais, com sofrimento, mas mantendo a persistência. Hoje, somos jornalistas, engenheiros, médicos, outras profissões liberais.

A REC – Residência do Estudante de Conquista em Salvador era a oportunidade para muitos estudantes pobres sobreviverem longe das suas famílias, com poucos recursos e muitos sonhos. Na Residência funcionava também a sede do CEUSC.

José Bomfim

Vencendo estes e outros desafios diários, dificuldades financeiras, preconceitos sentidos na universidade e na vida, conseguiu terminar a faculdade e fazer sucesso como jornalista. Com orgulho, coleciona artigos bem sucedidos e prêmios recebidos.

Quando falamos em ter sucesso, não restringimos apenas à oportunidade de transitar em altas rodas ou realizar viagens internacionais.

Sucesso é mais que isto – é o sentimento de realização pessoal e profissional, com a consciência de que a vida exige continuidade neste processo de aprender, crescer e evoluir.

Amante dos livros, estar em sua presença é uma alegria e um encontro que proporciona aprendizado. Se existisse tecnologia capaz de copiar informações no cérebro de alguém, juro que encomendaria algumas cópias. 🙂

Conforta saber que podemos colher material, idéias para uma boa redação no Blog do Brown mantido pelo próprio Bomfim.

José Bomfin com o exemplar do livro 1973, o ano que revolucionou a MPB

Sucesso também não se faz sozinho, se compartilha. E isto Bomfim (se escreve com M mesmo) faz muito bem! Parceiro, solidário, mantém-se atento para necessidades e anseios da família e amigos, procurando ajudar, sempre que possível.

Irmão da minha amiga Glória, que orgulhosa diz:

Ele ajuda não apenas financeiramente, ajuda com apoio, orientação e sempre com muito cuidado e carinho!

Bomfim e Gloria no Pelourinho – Salvador – BA

Seu abraço e seu cuidado não distingue raça e nem classe social. Acolhe da mesma forma colegas de trabalho, amigos, amigos dos amigos, lojistas, a cozinheira do restaurante que frequenta!

Distribui autoestima na forma como cumprimenta, abraça e se relaciona com as pessoas. Sua energia contagia, acolhe, faz com que as pessoas sintam-se especiais apenas por estarem vivas.

Um homem que não se deixou intimidar por agressões físicas e verbais sofridas, nem as reproduz. Marca sua passagem no mundo como um cidadão que procura crescer individual e coletivamente.

Idealista e consciente de sua responsabilidade social, busca novos horizontes não apenas para si. Através de sua participação em ações sociais desde o ensino médio, tenta despertar em outras pessoas o mesmo desejo – de fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.

Que este planeta tenha condições de reproduzir outros Bomfims!!

Foto de Capa: José Bonfim no Coliseu em Roma em abril 2019

Talvez você também goste...

2 comentários

José Bomfim Alves de Oliveira 08.dez.2019 - 17:23

Conheci Aparecida há exatamente uma semana, mas parece que nos conhecemos há séculos. Uma sintonia perfeita. Ela é dessas pessoas que você sente uma grande felicidade em conhecer. Só vem somar paz, sinceridade, alegria. Agradeço muito o mimo dela em escrever sobre minha trajetória de Conquista para Salvador. Fico lisonjeado e constrangido, mas agradeço em meu nome e em nome das dezenas de garotos e garotas que viveram na REC, que mantiveram o CEUSC vivo por tanto tempo, principalmente naquele período de ditadura militar, de repressão violenta aos movimentos estudantis, de terrorismo institucionalizado.
Obrigado, Cida, você tem um belo e ótimo site. E faz um trabalho social bacana, uma continuidade no site do profissionalismo com que você exerceu sua profissão ao longo dos anos.
Felicidades, para você e seus familiares!
Abraços
Bomfim

Responder
Mª Aparecida Costa 08.dez.2019 - 19:53

Bomfim (Zeca para os íntimos) eu que me senti privilegiada em conhecer uma história tão forte, bonita e coerente com as minhas convicções. Quisera eu na minha juventude ter tido a coragem de participar de movimento social tão bacana como o que vocês protagonizaram e de poder ajudar tantas pessoas. Quem fica lisonjeada sou eu ao ler que você gostou do blog. Para uma educadora como eu, acostumada a me comunicar face a face com as pessoas, a escrita é sempre um desafio. Espero aprender muito com vocês! Grande prazer conhecer a Bahia e sua gente! Gratidão!!

Responder

Deixar um Comentário