O idoso e a difícil tarefa de embarcar no metrô em São Paulo

por Mª Aparecida Costa

Aprendi e ensinei em minha vida profissional que a sensação de prazer é mais verdadeira quando você a sente antes, durante e depois de um encontro ou evento.  Aprendi que é preciso reavaliar se vale a pena quando a atividade gera muita ansiedade e preocupação (a tal equação custo / benefício).

Mas aprendi também que nem sempre isso é possível, há fatores externos que interferem nesse equilíbrio e que não dependem de você. Um deles é quando o seu compromisso exigir pegar o metrô em São Paulo nos horários de pico.

Aos 59 anos, apertada em alguma estação de metrô, me amparava na expectativa da proximidade dos 60 e com ele o direito a ultrapassar as grades de proteção que me separavam dos tão sonhados primeiros vagões reservados ao atendimento prioritário. Doce e ingênua expectativa – quase como a da adolescência em que tivemos que esperar, por ordem paterna, para assistir filmes censurados para menores de 18 anos.

Pedir antecipação de direito e ultrapassar as grades de proteção aos 59 anos e 6 meses? Não me ocorreu, afinal os cartazes fixados nas plataformas do metrô são claros e definem como prioritários:

Idosos, gestantes, obesos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, ou com crianças de colo.

A perplexidade foi sentimento comum ao descobrir que os filmes censurados nem eram tão “picantes” e que eu era minoria no primeiro vagão, quando finalmente aos 60 anos, empoderada de um desses direitos ultrapasso as grades de proteção.

Me intriga pensar em qual das condições sugeridas nas leis de cidadania e inclusão esses jovens sentem-se inseridos. Pela aparência saudável e jovial e pela quantidade de jovens do sexo masculino, me indago quais convicções os convenceram a ultrapassar as grades de proteção 35 anos antes?

Devo ser um extra terrestre… perdi o rumo dos acontecimentos dos últimos 40 anos.  Os trinta minutos que separam a estação de embarque e a estação de destino são povoados de pessoas e de histórias imaginárias. À medida que avançamos vejo muitos idosos desconsolados nas plataformas das estações sem conseguir embarcar. Qual será o seu destino?

Me surpreendo com as vozes jovens, em uníssono, impedirem que uma mãe com o bebê de colo entrassem no vagão. Pareciam solidários e preocupados com o risco da mãe / bebe ficarem espremidos em meio à tantos jovens. Para onde essa mãe vai? Seria uma trabalhadora e deixaria seu bebê em creche próxima ao trabalho?

Idosos hostilizados, mãe sentada no chão próximo à porta para amamentar um bebê faminto e choroso, observada por olhares perplexos como se não compreendessem estranha atitude.

De longe vejo Elaine, 60 anos, dirigindo-se ao trabalho, cuja estatura não permite concorrer a uma vaguinha nas barras de apoio e segurança do teto. Equilibrando-se como pode, aos poucos vai se movimentando e consegue chegar perto de mim. Empresto-lhe o espaço entre meu pescoço para que apoie uma das mãos na parede da cabine do condutor.

Elaine deve ser um extra terrestre como eu, termos vivido em um planeta distante e viajado na mesma nave de volta porque nos entreolhamos em silêncio e compartilhamos a mesma incompreensão: o que está acontecendo aqui?

E ela comenta:

Ensinei aos meus filhos que os lugares devem ser cedidos, não importa a cor do banco importa a situação em que você está e se há pessoas mais vulneráveis em seu entorno. Não é a cor da camisa que faz cidadãos. Que direito individual é esse que presenciamos? As pessoas só veem o eu!!

Do planeta onde nos encontrávamos não tínhamos a dimensão do que estava acontecendo por aqui. Sentíamos apenas a lacuna entre os ideais defendidos em nossa juventude e a situação que estávamos vivenciando naquele momento? Como chegamos à esse resultado?  O que aconteceu com a nossa educação? Nesse momento estou convencida que falta de educação é deficiência grave e esse é o direito à atendimento prioritário pleiteado por todos esses jovens.

Meu destino? Secretaria da Saúde onde devo assistir uma palestra sobre o trabalho voluntário em hospitais e outros serviços de Saúde na cidade. Ao entrar no auditório me deparo com essa frase de um slide estampada em um telão:

Ouço palavras como “empatia“, “aprender a olhar para o outro e suas necessidades” ditas por um jovem “palhaço da alegria” voluntário do Grupo Soul Alegria que levam vida e amor à lugares em que há dor e sofrimento. É um choque sair da desumanização do metrô e me deparar com proposta tão humanitária. Me permito contaminar por essa idéia. Combina mais comigo!

Esse sentimento de indignação precisa ser superado e substituído por sentimentos mais otimistas de reconstrução e de revisão de valores. Precisamos sair desse lugar de individualismo que desagrega para um mundo em que cidadania deixe de ser uma palavra (ou um conceito) e possa ser vivido e sentido na convivência social.

A minha pergunta é a mesma de 40 anos atrás: Como nós, jovens, adultos e idosos podemos construir uma sociedade humanitária o suficiente para que os vagões de metrô e as estações da vida possam abrigar e  atender a todos de uma forma humanitária?

Para quem quiser conhecer o Grupo Soul Alegria, acesse:

www.soulalegria.com.br

 

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