Há uma convenção social em que se acredita que a frase “Na minha época” é dita por pessoas mais velhas e nostálgicas. Sem medo de receber estes títulos, reconheço que sou de uma época em que a autoridade paterna se afirmava com um olhar. Época em que os filhos eram educados na metodologia do “sim porque sim”.
Aprendi desde cedo que o tamanho do silêncio e a rapidez com que deveria “bater em retirada” era proporcional a intensidade do olhar. Quanto mais atravessado fosse, mais rápido deveria ser o traçado da rota de fuga.
Mais tarde, experimentei dar voz às filhas, fazer diferente. Educar sim, dar limites também, e ensiná-las a dizer Não, tarefa que desempenham melhor que eu.
Sigo procurando um tanto de Não silenciados na minha garganta. Vejo tutoriais, métodos comportamentais, amigas que dizem: “Minha vida mudou quando aprendi a dizer não.”
Parece o milagre do NÃO. A impressão é que esta palavra não se forma nas cordas vocais, mas em um lugar muito mais profundo. Algum lugar entre o coração e o útero.
É importante liberar os Nãos presos na garganta, mas exigir que as pessoas saiam fazendo o que não aprenderam é como cutucar ferida sem anestésico. É esperar cura sem o remédio.
Dar limites é muito mais profundo do que dizer uma palavra. Há inúmeros bloqueios, insegurança, baixa autoestima, medo de ser criticado, rejeitado, medo de conflito, tentativa de agradar ao outro.
Aprender a olhar para si mesmo nas trocas humanas, é base, é alicerce, é coluna. Entender quais são os próprios limites e saber apresentá-los aos outros é mais que uma decisão racional. Passa pela coragem de desenvolver o autoconhecimento e amor-próprio.
Hoje compreendo que esta palavrinha muitas vezes nem precisa ser proferida. Ela pode ser guardada na mesma profundidade onde eu acreditava ser seu esconderijo.
Ela pode se manifestar também no silêncio e na quantidade de SIM que aprendo a dizer. SIM para ter compaixão das pessoas mas não entrar em suas sombras, SIM para o acolhimento da minha criança interior, SIM para prosseguir aprendendo e evoluindo, com meus sonhos, meus amores, com as prioridades que elegi para minha vida.
Por Maria Aparecida Costa
Assistente Social, Educadora em Saúde Pública com especialização em Gerontologia.
Capa: Imagem de ATDSPHOTO por Pixabay
5 comentários
Belíssimo texto para reflexão. Amplia o autoconhecimento e expande a essência humana. Parabéns!
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Ó DOR!
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Depois dos cinquenta
A gente acorda todo torto
Quase ninguém aguenta
Porque dói o corpo todo
É câimbra nas pernas
Estalido nas patelas
E incontáveis varizes
Dor nas articulações
Fisgada nos tendões
E horríveis cicatrizes.
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É espinhela caída
Dor nos quartos
Nó nas tripas
Esporão de galo
Bico de papagaio
Tonteira, desmaio
Verruga no nariz
No peito batedeira
Na cabeça leseira
E pedra nos rins.
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Quando a gente fica coroa
É tanta dor no corpo
Que cai no sono à toa
Temendo acordar morto
E toda manhã levanta
Com secura na garganta
E sente o maior alívio
Quando olha no espelho
E vê que está mais velho
Mas que ainda está vivo.
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Eduardo de Paula Barreto
27/10/2020
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Que poesia bonita. Podemos publicar no blog, se concordar. Vou te enviar um email para conversarmos. Abraços
Que belo texto! Li e reli em voz alta…
Que maravilha ouvir isto. Acreditei que seria mais compreensível para pessoas que nasceram em gerações anteriores à sua. Fico muito lisonjeada que tenha compreendido. Abração