Estava com minha filhas em Buenos Aires e enquanto passeávamos admirando a beleza de um parque com suas plantas, flores e decorações bem cuidadas, observamos duas moças brasileiras disputando os melhores ângulos para selfies. Semblantes carregados, tensas, pareciam mais preocupadas com o resultado das fotos e das postagens nas redes sociais. Entraram e saíram sem dedicar um olhar (mesmo que num relance) ao local em que estavam. Não perceberam o encantamento daquele momento único e raro.
Esse é apenas um exemplo de um fenômeno que tem acontecido de forma cada vez mais frequente e que nos faz refletir: afinal que febre é essa que assola nossas mulheres e meninas?
Ser admirada faz bem ao ego e é condição própria do ser humano. O jogo de sedução também traz aspectos muito positivos e é tão antigo quanto a raça humana. Para quem nasceu no interior deve se lembrar dos finais de semana nos coretos das pracinhas em que as meninas em pequenos grupos, circulavam em torno do coreto, enquanto os rapazes formavam um paredão, a nos observar com semblantes maravilhados.
Doce ingênuidade meio salpicada de malícia passar pelo rapaz do nosso interesse. Éramos adolescentes e essa era a fase de construir e reafirmar nossa autoestima. Ser aceita e admirada pelos rapazes, na pracinha da cidade, fazia parte dessa construção na época em que vivemos.
Para nossos filhos e netos essa realidade ficou muito distante, o mundo virtual se constrói quando dedinhos de bebê curiosos tocam e movimentam as telas dos celulares. É um outro mundo e o processo natural de admirar e ser admirada ganha outra dimensão. Os métodos mais antigos são substituídos pelos contatos nas redes sociais, tem mais visualização, mais curtidas e também mais exposição.
Não há nada de errado nisso. É possível conhecer pessoas e quebrar barreiras geográficas pela internet. Não há problema na natureza da ação – não há nada de errado cultuar a beleza estética, gostar de tirar selfies e postar fotos pessoais 🙂 O problema pode estar no grau da ação, ou seja deixar-se congelar pela estética e desfocar a consciência de si mesma em sua profundidade.
Conta a lenda que na grécia antiga nasceu Narciso, bebê de rara beleza, filho do Deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. Ao nascer, Tirésias, um dos oráculos revelou que ele teria vida longa, porém não poderia ver a própria imagem, o que arruinaria sua vida. Com sua beleza chamava a atenção de homens e mulheres. Evitou-se que Narciso visse o próprio rosto, porém aos 15 anos apaixona-se por si mesmo ao ver a própria imagem refletida em um lago. Eco, uma bela ninfa apaixonada por Narciso e não correspondida lança um feitiço – que ele definhe no rio até a morte. Depois de morto, o jovem transformou-se em flor: o Narciso.
Narciso é um dos personagens mitológicos mais utilizados na psicologia e o nome Narcisismo foi atribuído ao conceito de Sigmund Freud utilizado para descrever o amor exagerado de um indivíduo por si mesmo e por sua imagem.
Para Maria Gedeilda, psicóloga clínica e educacional é importante:
As pessoas precisam ter o encantamento por si mesmas, é importante que se olhem e se reconheçam. Faz parte da autovalorização e é muito positivo!! Mas, não podem deixar-se entorpecer pela estética e pela própria imagem e perder o contato com outros aspectos do mundo. O mito do Narciso mostra esse extremo – o jovem morre ao ficar entorpecido pela própria imagem refletida no lago, isolando-se de fatos e de pessoas.
Para conhecer-se é necessário ir mais profundo, conhecer a própria individualdiade, buscar a consciência de si mesmo. Olhar apenas para a estética pode mostrar ou produzir vazio.
Enamorar-se da própria imagem é o desafio que propomos diariamente. No entanto a auto estima é de dentro para fora. Se estivermos buscando essa aprovação de fora para dentro podemos estar desfocados e colocar a responsabilidade do nosso bem estar nas mãos dos outros.
Postar uma foto e ter reconhecimento pelo número de curtidas e comentários de aprovação é muito bom (quem disse que não). O problema está quando as pessoas se perdem de si mesmas e toda a sua essência parece girar em torno de tirar selfies, postar fotos e acompanhar a reação das pessoas nas redes sociais. Como Narciso, perde-se o contato com o mundo e com todos os prazeres e vivências que de fato podem enriquecer uma vida. Vira doença e como qualquer doença traz riscos incluindo aqui perder o senso crítico e expor-se demasiadamente na internet.
Tudo parece ser uma questão de bom senso e moderação.
Pense nisso!!
Compartilhe se achar que pode ajudar alguém!!
Por: Maria Aparecida Costa
Apoio: Maria Gedeilda Souza Ferraz – Psicóloga Clínica e Educacional – Reikiana Nível III. Coordenadora do Espaço Plural, email: [email protected]m – Facebook
Para pesquisar mais:
Foto de capa: MyStock.Photos – Pexels
Relato e foto de Narciso: Reino das fábulas
O Mito de Narciso – Toda Materia