Há momentos raros na vida, momentos com cheiro de café, pão de queijo e confidências, momentos de conversa saudável em que as amarras vão se desfazendo e as intimidades se revelando. Momentos em que é possível ouvir de uma amiga:
Depois de muitos anos de casada soube da traição do meu marido, doeu muito… mas dói demais. Naquele momento juntei forças e o mandei embora!! Pensei – uma mulher tem que ter atitude!!
É possível dimensionar a dor que ela descreve mesmo não tendo passado por isso, basta lembrar os sentimentos de desamparo e mágoa que vivenciamos em situações muito mais simples: aquela festa em que você não foi convidado e fica remoendo a frustação por dias… Pois é, aumente a proporção da decepção e imagine a dor de descobrir a traição de um parceiro ou parceira sexual.
Esse tema é muito delicado, afeta profundamente os envolvidos e precisa ser tratado com sensibilidade, porém é comum encontrarmos matérias que abordam o assunto focando na conduta “repreensível do traidor”. Baseadas em valores morais, as pessoas julgam e dividem o casal em culpado e inocente.
O que leva uma pessoa a trair? Se você foi pelo senso comum já tem a resposta pronta: falta de amor, falta de caráter, mas não é tão simples assim – pode ser por impulso, carência afetiva, necessidade de autoafirmação ou por razões que a própria pessoa desconhece.
Por certo há centenas de motivos e argumentos para uma pessoa trair a confiança de outra, mas cabe a ele(a) avaliar, compreender e lidar com as consequências de suas escolhas. Essa responsabilidade é dele(a) e de mais ninguém.
Quando Marisa Monte com sua voz maravilhosa interpreta Depois ela canta os sentimentos de meninos e meninas, que com todas as formas de amor, passaram por situações de se descobrirem traídos. Meninos e meninas? Sim, embora haja questões culturais que diferenciam o julgamento entre as pessoas que traem, é mito pensar que apenas o homem trai, mulher também o faz!!
Depois de sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz tambémDepois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar…
Enternecidos com o trechinho da música, vamos continuar com a conversa com a minha amiga que diz:
Depois de um tempo fui me acalmando e pensei: uma árvore para dar flores e frutos precisa ser podada… mesmo que doa, era preciso a poda, era preciso rever toda a minha vida. Não procurei culpados, olhei a forma como estava nosso casamento: eu não dirigia, não tinha nenhuma atividade social a não ser a igreja, achava que vida era me dedicar aos filhos e ao marido.
Descobri outros aspectos como ter amigas, sair, passear, fazer cursos, dirigir automóvel e dirigir minha própria vida, sem ressentimentos. Cresci, aprendi. E não me arrependo. ReDescobri a mulher que deixei lá atrás, percebi que é possível conciliar os cuidados comigo mesma e com os meus filhos. Aprendi a me amar e a esperar do outro o mesmo amor e respeito!
Com sua sabedoria ela nos diz que olhou o relacionamento com os olhos mais críticos e racionais, não assumindo as responsabilidades dele. Percebeu que se anulou como ser humano e investiu mais em seu crescimento pessoal. Fez como a árvore, permitindo-se podar (olhar para si mesma sem autopiedade), florir e frutificar para a vida.
Embora seja um impulso natural querer entender as razões que levou à traição, não compete à pessoa que se sentiu traída essa tarefa. Dê ao outro o que é dele, faz mal ficar remoendo e tentando entender as razões que o(a) levaram à isso. Você está diante de uma escolha dele(a) e isso você não pode mudar, vai ter que lidar com isso. Esse é um primeiro passo para uma reação positiva.
Um outro ponto para pensar é: em cena que existe culpado, existe também inocente e papel de inocente beira o papel de vítima. Despoje-se dessa roupa de vítima, não combina com você e não leva a lugar nenhum.
Uma outra grande amiga Mara Barella, psicóloga e terapêuta familiar, a quem admiro muito esclarece:
A traição não é o problema, é apenas o sintoma que aponta a necessidade de olhar e cuidar do relacionamento e das pessoas envolvidas. É importante contribuir para que saiam desse papel de vítima e algoz e entendam que são duas pessoas com seus acertos / dificuldades, força / vulnerabilidade, ação / reação e escolhas diárias. Compreender os pontos de fragilidade no relacionamento e a forma como cada um encara a vida naquele momento é a chave para que cada um possa encontrar um caminho mais saudável para si mesmo e para ambos.
De qualquer forma, a pessoa está vivendo uma perda, mesmo que de um sonho… vive um luto e cada um tem um tempo e um jeito de elaborar esse luto. Não existe receita pronta para antecipar esse processo, mas algumas dicas podem ajudar a perceber que há sim vida e esperança pela frente:
- Aproxime-se de pessoas com capacidade de ouvir sem julgar. O julgamento dói e impede avanço;
- Desfoque a sua atenção da outra pessoa. Não se martirize. Foque em você mesmo (a) e no seu aprendizado;
- Cuide mais de você nos vários aspectos da sua vida (física, mental e espiritual). Se puder fique um tempo sozinho(a), sem namorar, para que se restabeleça e fortaleça emocionalmente;
- Invista e reforce sua autoestima, se possível e necessário, com ajuda profissional que contribuirá para seu autoconhecimento;
- Seja sincera com você mesmo(a). Reveja pontos em que você pode melhorar para si próprio(a) ou para outras relações no futuro;
- Não volte igual para o mesmo relacionamento. Dói. Não é caso de perdão, é preciso rever a relação e refazer novos contratos mais saudáveis para ambos;
- Livre-se do ressentimento – ele só faz mal a você mesmo(a);
- Participe de grupos de auto ajuda. São muitos e alguns pela internet;
- Saia do papel de vitima. Essa roupa não te serve mais. Parta para o papel de protagonista, assumindo a responsabilidade pela própria vida.
Refaça sua vida. Reivente!!
Foto de Capa: Victoria 1 – Shutterstock
Música Marisa Monte – Depois