Saudades na presença, saudades das tardes de bate-papo regadas à café forte, das horas em frente à TV, dos telefonemas pela manhã quando dizia — Estou bem, GRAÇAS A DEUS, marcando as palavras como se as escrevesse em maiúscula e negrito.
Sinto saudades de compartilhar histórias, notícias, alegrias, inquietudes, sonhos. Saudades de falar, ouvir, acolher e ser acolhida desmedidamente. Apesar da sua lucidez, nossa mãe já não dá conta de cuidar de si. Os ciclos da vida anunciam que agora é hora de repensar palavras e possibilidades.
É hora de assumir um novo papel, talvez o mais desafiador da vida, inverter o papel de filhos para a tarefa do cuidar, e… com cuidados. Cuidados em não invadir sua autoridade materna, afinal ela ainda se recorda que é a MÃE. E tudo isto acontecendo em plena pandemia. 😊
Nossa mãe, mãe de nove, precisa se adaptar e confiar que as mãos que guiou, são elas agora o seu guia. Respirar e se soltar. Não é Alzheimer dizem os médicos, mas há desafios que por vezes parecem instransponíveis entre memórias presentes e passadas, rotinas, novidades. Por vezes se aquieta e eu me inquieto observando-a. O que pensa quando se recolhe?
Quero lhe despertar, convencer que não é o fim, que tudo depende do ângulo em que se observa a vida, os fatos, as fases. Que da janela ao seu lado nesta mesma foto há uma vastidão de beleza natural! A hora é de quebrar regras, desconstruir papéis, identificar medos, reconhecer limites, superar desafios, clarear incertezas.
Que possamos compartilhar humanidades e ter a sensibilidade de compreender teimosia, ingratidão como dificuldade na aceitação dos limites e da perda de autonomia.
É hora de encontro de almas, e que nestes encontros, possamos viver gratidão, amizade e amor.
Por MariaAparecidaCosta
Assistente Social e Educadora em Saúde Pública com especialização em Gerontologia.
6 comentários
Lindo texto. Lembrei da minha avó que partiu aos 97 anos e não mais lembrava da minha mãe,sua filha caçula.Minha mãe buscava encontrar nos olhos da minha avó sua imagem de filha …foi um pouco triste até ela se acostumar e entender que minha avó estava em paz, lembrando ora aqui e ora ali de pessoas e fatos vividos.Foi bonito ver o cuidado e carinho de todos. Creio q minha mãe sentiu muita saudades tbm da mãe dela.Bjs
Uma saudade na presença. Obrigada por seu comentário, Ge! Um grande abraço!
Maria Aparecida, adorei o seu texto. Sútil e singelo. Nós convida a refletir e a olhar para os mais velhos com respeito e carinho
As adaptações que a vida nos impõe nem sempre são fáceis. Escrever é um jeito de organizar os sentimentos e ajudar nestas adaptações. Com carinho e respeito fica mais fácil, não é? Beijão! Obrigada por participar do blog!
Chorei de saudades da minha, durante a leitura desse texto, sinto que fiz tudo que estava ao meu alcance, mas sinto que poderia ter feito mais. Mas tenho a consciência plena que se faltou alguma coisa, faltou por eu estar sozinha com tantas responsabilidades e preocupações, tomando conta de todos e de tudo, deixando até de tomar conta de mim. Hoje sinto imensa falta da minha mãe, 1 ano e 7 meses, quando deu seus últimos suspiro em.meus braços, fiz de tudo pra reanima-lá, mas Deus achou que já era a hora dela descansar e acho que também me dar descanso, ela não merecia passar pelo que estava passando, uma mulher tão ativa e ter seus últimos dias na total dependência. Sei que ela se sentia muito triste por isso, via que ela estava muito cansada, deprimida, mas mesmo ass8m t8nha fé que iria voltar ao normal, mas era sonho, voltou sim ao normal, sonhei com ela correndo pelo campo feliz, me dizendo…”posso andar, posso correr”. Corra minha mãe, corra para sua liberdade da vida eterna, porque está terrena só lhe trouxe sofrimentos. Permita – me Cida esse desabafo e essas lágrimas, mas de saudades e não de tristeza. Obrigado por compartilhar esse lindo texto, que nos faz reviver a presença da nossa mãe desde a infância. Bjs
Que lindo, Arlete! Agradeço todo este seu carinho e cuidado! Obrigada!