Sincretismo é uma forma de resistência

por Mª Aparecida Costa

Existem duas formas para nos tornar sensíveis a um determinado tema: quando eu própria o vivencio ou quando de alguma forma sou tocada por ele, em uma relação de empatia.

Sempre me considerei sensível à questão do racismo – próxima do tema profissionalmente e ligada mais intimamente como mãe de duas filhas lindas, com pele em diferentes tons no colorismo da mistura de raças.

Confesso que esta relação de empatia se aprofundou em uma viagem à Bahia, ao ouvir um guia do Museu do Forte Santo Antonio da Barra falando sobre sincretismo para um grupo de visitantes adolescentes.

Ele dizia que a escravidão no Brasil foi uma das modalidades mais cruéis de todos os tempos e foi a ultima a ser dizimada. A escravidão gera sofrimento e submissão mas também gera resistência.

Navio Negreiro – Museu do Forte Santo Antonio da Barra, Praia do Porto da Barra – Salvador – BA

Navio Negreiro – Navio com 40 metros, 340 toneladas e 30 tripulantes, com capacidade de carga para 350 escravos, que eram aprisionados em local de pouca ventilação. O corte representa uma estrutura em madeira que compõe um modelo de navio do século XIX.

Modelo confeccionado pelo modelista Naval Paulo Alves. Bahia, 2003.

A resistência gera fuga, lentidão no trabalho ou na obrigação de adorar um santo. Os escravos precisavam fingir que estavam adorando um santo católico, mas em sua imaginação mantinham-se fiel à cultura e à suas crenças adorando seus próprios santos e à Eles pedindo proteção.

Compreendi ali o verdadeiro sentido da palavra Sincretismo. Sincretismo não é a fusão de cultos religiosos como pensaram muitos encarregados pela evangelização.

Sincretismo não é uma ideologia de branqueamento. Sincretismo é uma forma de resistência. É uma forma de clamar por seu Deus pedindo por liberdade e sobrevivência.

Aquele momento, naquela sala do museu, meu espirito pareceu vagar e (de fato) imaginar os sentimentos destes seres humanos vítimas de tanta crueldade.

Não há argumentos e nem palavras que justifiquem o tamanho da dívida que nós, os “brancos” carregamos sobre fatos como estes e outros tão atuais. 🙁

E causa maior espanto observar a dificuldade que muitos de nós, mesmo “lembrados”, recusam-se a ser “sensibilizados“. É preciso parar e refletir!

Minha gratidão à Márcia Helena Brandi e Natalina Almeida de Jesus de São Paulo (SP) e José Bomfim (Blog do Brown) de Salvador (BA) pelo apoio à este texto.

Capa: Imagem de José Eugênio Costa jecosta por Pixabay

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6 comentários

Eliana Cardoso 06.jun.2020 - 15:51

Cida, parabéns por mais esse texto maravilhoso que você nos proporciona à leitura.
Obrigada.

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Mª Aparecida Costa 07.jun.2020 - 18:02

Eu que agradeço sua participação na minha vida, garota e o tanto que tem me ensinado! Grande abraço!

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Maria da Glória 06.jun.2020 - 17:50

Esse texto maravilhoso sobre o negro, preconceito e escravidão veio em hora adequada, onde se vê a luta pelo direito da igualdade com mais intensidade. Sinto feliz por ter participado desse seu momento Maria Aparecida.

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Mª Aparecida Costa 07.jun.2020 - 18:32

Estávamos juntas neste momento, Glória. Esta foi uma viagem inesquecível para mim! Obrigada!!

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Ivy Schipper 09.jun.2020 - 23:42

Compreendo a necessidade de chamar atenção para este aspecto em destaque. Apesar de desconhecer a profundidade do sincretismo nordestino-judaico, quando descobri o afro-catolico fiquei agraciado por tantas curiosidades em torno da riqueza das artes, das crenças e dos saberes reunidos, além dessa batalha do dia-a-dia.

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Mª Aparecida Costa 10.jun.2020 - 11:03

Você tem toda razão! O processo de aculturação é muito rico.Vejo que você é um estudioso do assunto. Parabéns!!

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