Das historias vividas e contadas em minha visita à Bahia trouxe conteúdo para criar matérias para o blog por um tempão. Mas uma delas chama especialmente a minha atenção: a de um menino negro e pobre que sai de Vitória da Conquista para estudar em Salvador em meados dos anos 70.
Sua história começa antes – em 1968 com a participação em um grupo de estudantes secundaristas de Vitoria de Conquista, BA – jovens que discutiram e formaram uma entidade que os representassem. E foi desta forma que nasceu o CEUSC (Centro de Estudantes Universitários e Secundaristas de Conquista).
A criação desta entidade facilitou para que muitos jovens pudessem ir para a capital, levando na mala o sonho do ingresso em uma universidade. Se você quiser saber mais sobre este assunto, acesse: CEUSC 25 anos
Mesmo em grupo, a decisão de mudar para Salvador trouxe-lhe muitos desafios. Ele nos conta:
Quando morávamos na residência do estudante de Conquista, no bairro de Nazaré – Salvador, conseguíamos comer apenas uma vez ao dia, no refeitório da universidade. Por vezes, uma amiga com melhores condições financeiras convidava-nos a tomar uma sopa em seu apartamento. Íamos em três universitários – dois brancos e eu. E, em todas as visitas o porteiro, um homem também negro pedia a identidade apenas a mim. Até que um dia um dos amigos se incomodou e perguntou: – Amigo, porque você pede documento de identidade apenas à ele? E sem titubear o porteiro respondeu: – Porque é o único negro do grupo.
Depois do bairro de Nazaré, a residência foi para o Pelourinho, em um casarão vizinho à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Nesse período, a maioria trabalhava também como fiscal de ônibus e aí já conseguíamos nos alimentar melhor.
José Bomfim Alves de Oliveira – Jornalista

Em julho de 1983, policiais de ACM (Antonio Carlos Magalhães) invadiram a residência, com o pretexto de procurar um suspeito de estar tentando abrir um carro estacionado na porta. Na realidade, um vizinho, convencido sabe-se lá do que, chamou os policiais (que já estavam de tocaia).
A polícia agrediu a mim (eu era o presidente da residência à época) e vários outros estudantes-moradores. E até baleou um dos meninos. Foi barra pesada.
Meninos e meninas levados presos em camburões. Éramos 80 estudantes. Só saímos da delegacia pela manhã. No dia seguinte, Salvador parou com manifestações do DCE (Diretório Central de Estudantes) e outras entidades – e nós à frente.
Em Vitória da Conquista, as manifestações também ocorreram. Infelizmente, isto causou o final da residência, todos assombrados com a violência policial (e o período era de ditadura militar) procuramos morar em outros locais, com sofrimento, mas mantendo a persistência. Hoje, somos jornalistas, engenheiros, médicos, outras profissões liberais.
A REC – Residência do Estudante de Conquista em Salvador era a oportunidade para muitos estudantes pobres sobreviverem longe das suas famílias, com poucos recursos e muitos sonhos. Na Residência funcionava também a sede do CEUSC.
José Bomfim
Vencendo estes e outros desafios diários, dificuldades financeiras, preconceitos sentidos na universidade e na vida, conseguiu terminar a faculdade e fazer sucesso como jornalista. Com orgulho, coleciona artigos bem sucedidos e prêmios recebidos.

Quando falamos em ter sucesso, não restringimos apenas à oportunidade de transitar em altas rodas ou realizar viagens internacionais.

Sucesso é mais que isto – é o sentimento de realização pessoal e profissional, com a consciência de que a vida exige continuidade neste processo de aprender, crescer e evoluir.

Amante dos livros, estar em sua presença é uma alegria e um encontro que proporciona aprendizado. Se existisse tecnologia capaz de copiar informações no cérebro de alguém, juro que encomendaria algumas cópias.
Conforta saber que podemos colher material, idéias para uma boa redação no Blog do Brown mantido pelo próprio Bomfim.

Sucesso também não se faz sozinho, se compartilha. E isto Bomfim (se escreve com M mesmo) faz muito bem! Parceiro, solidário, mantém-se atento para necessidades e anseios da família e amigos, procurando ajudar, sempre que possível.
Irmão da minha amiga Glória, que orgulhosa diz:
Ele ajuda não apenas financeiramente, ajuda com apoio, orientação e sempre com muito cuidado e carinho!

Seu abraço e seu cuidado não distingue raça e nem classe social. Acolhe da mesma forma colegas de trabalho, amigos, amigos dos amigos, lojistas, a cozinheira do restaurante que frequenta!
Distribui autoestima na forma como cumprimenta, abraça e se relaciona com as pessoas. Sua energia contagia, acolhe, faz com que as pessoas sintam-se especiais apenas por estarem vivas.
Um homem que não se deixou intimidar por agressões físicas e verbais sofridas, nem as reproduz. Marca sua passagem no mundo como um cidadão que procura crescer individual e coletivamente.
Idealista e consciente de sua responsabilidade social, busca novos horizontes não apenas para si. Através de sua participação em ações sociais desde o ensino médio, tenta despertar em outras pessoas o mesmo desejo – de fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.
Que este planeta tenha condições de reproduzir outros Bomfims!!
Foto de Capa: José Bonfim no Coliseu em Roma em abril 2019
2 comentários
Conheci Aparecida há exatamente uma semana, mas parece que nos conhecemos há séculos. Uma sintonia perfeita. Ela é dessas pessoas que você sente uma grande felicidade em conhecer. Só vem somar paz, sinceridade, alegria. Agradeço muito o mimo dela em escrever sobre minha trajetória de Conquista para Salvador. Fico lisonjeado e constrangido, mas agradeço em meu nome e em nome das dezenas de garotos e garotas que viveram na REC, que mantiveram o CEUSC vivo por tanto tempo, principalmente naquele período de ditadura militar, de repressão violenta aos movimentos estudantis, de terrorismo institucionalizado.
Obrigado, Cida, você tem um belo e ótimo site. E faz um trabalho social bacana, uma continuidade no site do profissionalismo com que você exerceu sua profissão ao longo dos anos.
Felicidades, para você e seus familiares!
Abraços
Bomfim
Bomfim (Zeca para os íntimos) eu que me senti privilegiada em conhecer uma história tão forte, bonita e coerente com as minhas convicções. Quisera eu na minha juventude ter tido a coragem de participar de movimento social tão bacana como o que vocês protagonizaram e de poder ajudar tantas pessoas. Quem fica lisonjeada sou eu ao ler que você gostou do blog. Para uma educadora como eu, acostumada a me comunicar face a face com as pessoas, a escrita é sempre um desafio. Espero aprender muito com vocês! Grande prazer conhecer a Bahia e sua gente! Gratidão!!