No dia dos pais fomos presenteados com esse poema maravilhoso escrito por Alessandra Oliveira, 20 anos. Estudante do sétimo semestre de jornalismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e Estagiária da revista Muito e do A Tardinha.
Poema dedicado à luta da família contra o avanço do Alzheimer diagnosticado em seu pai, Alessandra diz:
Só cheguei onde estou graças ao pai e mãe maravilhosos que tenho 🙂
Várias versões de um mesmo amor
Olhando em retrospecto, percebo que o primeiro sinal foi a apatia. De um verão para outro, ele já não queria mais andar de bicicleta pela cidade, nem se animava em ir à praia todos os dias. Antes da doença, era o primeiro a acordar e fazia questão de acordar todo mundo junto com um som alto em pleno corredor, bem ao jeitinho Adailton (leia-se bruto) de ser. Aí vieram as situações de esquecimento: uma conversa, um objeto fora do lugar. Um ano de exames depois, o diagnóstico de Alzheimer. Aos 14, essa informação era vazia de significado pra mim. Minha maior referência no assunto era um personagem de novela muito esquecido. A memória, claro, é um ponto chave da doença (que tal ser perguntada de 10 em 10 minutos sobre a data de hoje?), mas não é só isso. Afastamento social, agitação noturna, mudança de temperamento e agressividade vêm no pacote.
Painho, que sempre foi menos sorriso e mais militaria, se tornou a alegria das festas de família. É como se, a cada avanço, a doença lhe tirasse uma camada de retraimento. Definitivamente, perdi meu pai da forma como ele era. O Alzheimer o transformou como nada antes tinha feito, mas não há nada de apocalíptico nisso. Ganhei um pai mais relaxado, divertido e, arrisco dizer, mais amigo. Ele continua falando pouco (quase criou sua própria língua de sinais tamanha a sua preguiça de falar), mas o sinto mais presente. Mesmo com todas as mudanças, quando olho pra ele, é como se houvesse uma essência que sempre esteve e vai continuar ali. No fim, é o meu pai, como sempre foi desde 96.
Há alguns anos, mesmo com a presença constante de mainha, nossa família podia muito bem ser conceituada como patriarcal. Era painho quem dava a última palavra. Hoje, é ele (e nossa cachorrinha Betty) quem define o ritmo da casa. A rotina precisa estar de acordo com sua hora de dormir e a de acordar. E, dessa forma, continua sendo o centro de tudo. Acho que faz parte das suas características naturais. Painho possui uma autoestima tamanha, que acredita ter o rei na barriga. Discordo. Ele é o próprio rei da minha vida.
Da esquerda para a direita é Alline, Adriannne, Adailton, Maria do Socorro, Alessandra e Andressa.
Por Alessandra Oliveira