1º de dezembro – Dia Internacional de Luta contra a Aids tem um significado muito especial em minha vida pessoal e profissional.
Comecei a me envolver com o assunto por volta de 1995 quando perdi uma pessoa muito querida, vítima da Aids. No ano seguinte, após uma reorganização da instituição em que trabalhava, fui transferida para um Serviço Especializado em DST/Aids (Doenças Sexualmente Transmissíveis), onde trabalhei por 14 anos e aprendi muito de vida e de trabalho.
Minha principal área de atuação foi com prevenção e nas inúmeras oficinas que tive a oportunidade de participar, posso afirmar que trabalhar prevenção em DST/Aids é complicado em qualquer faixa etária e com toda a população, mas esse post quero dedicar, especialmente, às pessoas com 50 anos e mais (com uma atenção especial às mulheres que são a maioria dos leitores desse blog).
Atualmente, na Zona Leste de São Paulo, como em outras regiões do País, a principal forma de contaminação pelo HIV é através de relações heterossexuais, e em sua maioria entre casais fixos, ou seja: menino se contaminando com menina e menina se contaminando com menino (“… do jeitinho que papai e mamãe nos ensinou…”).
E isso nos traz a realidade de que conversar sobre DST/AIDS implica em falarmos de família, gênero, amor romântico, intimidade, segredos, paixão e sexo, ou seja de sentimentos sagrados e muito profundos e tudo isso mexe muito com a gente. Abordamos um pouco a dificuldade de falar sobre sexualidade e sexo nesse blog, no post Falando sobre sexo e sexualidade depois dos 50, 60, 70…!
Hoje temos bastante informações sobre HIV/Aids. Sabemos que biologicamente estamos todos suscetíveis ao HIV, porém é difícil acreditar que estamos vulneráveis à ele, por diversas razões e queria começar esse papo, lendo e pensando em cada uma dessas frases que ouvi ao longo da minha carreira profissional:
“… Sou casada há mais de 20 anos e se eu chegar em casa hoje e disser para o meu marido: vamos usar camisinha… ele vai dizer: o que você andou aprontando? Ou então vai falar: Você não confia em mim porque?…”
“… No começo eu usava camisinha, mas depois já confiava nela…” (Um mês depois…)
“… O que os olhos não vêem… o coração não sente…”
“… Não sei de nada…. mas se eu souber, corto, pico e dou para os pombos comerem…”
“… Ele não pode ter Aids porque ele é legal, não é promíscuo, não é gay e nem usa drogas…”
Você já pensou ou ouviu alguma dessas frases? Se a resposta for positiva convido você a acompanhar meu raciocínio sobre alguns valores culturais muito arraigados em nosso meio e que nos impede de pensar racionalmente na prevenção, entre eles:
Se eu confio não me protejo. Se me protejo é porque não confio!
É como uma balança de dois pratos: ou confio ou me previno. E essa pode ser a base de muitas relações sexuais e o incrível é que nós aprendemos a confiar muito rapidamente, até na mesma semana.
A medida que nos envolvemos emocionalmente ou que consideramos a pessoa digna de confiança relaxamos a prevenção.
Pressuponho… Imagino que meu parceiro seja fiel!
É difícil falar sobre isso 🙁 especialmente com o parceiro. O relato de muitas mulheres é que se falar com o marido sobre o assunto ele vai pensar que está autorizado a trair, desde que o faça com preservativos. E não é assim que ela pensa. O parceiro não deve ter relações extraconjugais (com ou sem preservativos). A mensagem é: Não faça!! Então, o que impera é um silêncio em torno do assunto.
Quer pensar comigo?
- Fazemos juras de fidelidade na cerimônia do casamento e nunca mais tocamos no assunto?
- As pessoas precisam de autorização para experimentar outras vivências sexuais?
Preconceito e Estigma
No inicio, a epidemia de Aids se restringia à alguns grupos, considerados na época como de risco, como homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis, pessoas com múltiplos parceiros sexuais. Trinta anos depois, mesmo mudando a cara da Aids, esse estigma ainda permanece no imaginário popular. Ainda costumamos associar a doença à esses grupos e não me vejo em risco se não observo essas características na pessoa com quem estou me relacionando intimamente (mesmo que o conheça a pouco tempo).
Dificuldade em falar com o outro sobre proteção!
Quando consigo superar todas as dificuldades elencadas anteriormente e percebo que tenho que me proteger ainda tenho que pensar em como abordar o assunto com o outro e falar sobre testagem e uso de preservativos.
- O que ele vai pensar de mim? Será que vai me dar um fora quando eu falar sobre isso?
Essa questão também é muito séria porque o medo de ser mal interpretada, de ser preterida pode ser mais importante para algumas de nós que o medo de contrair uma DST.
Além dessas questões mais ligadas aos valores culturais, há outras que também dificultam a nossa adesão ao uso de preservativos: na nossa juventude e vida fértil, a única preocupação com a relação sexual desprotegida era com o risco de gravidez. Não nos preocupávamos ainda com o HIV. E agora, como introduzir o preservativo aos 50 anos quando o risco de gravidez não mais existe ?
Sei que valores culturais e morais não são facilmente superados, mas é possível serem repensados. E eles podem ser revistos: preciso avaliar francamente as situações que estou vivendo a as situações que meu(s) parceiro(s) possam experimentar e pensar quais medidas de proteção consigo adotar. É um exercício pessoal e extremamente importante!
Há alguns anos atrás o Ministério da Saúde lançou a Campanha Quebre o Silêncio que muitos devem lembrar. Essa campanha traz uma novidade na prevenção porque orienta o Diálogo entre os casais. Manter relações sexuais desprotegidas, mesmo que em parceria fixa, é colocar sua saúde na mão do outro. Falar das dúvidas, das fantasias suas e do outro traz transparência à relação e clareza dos riscos em que você se coloca.
Realizar sorologias anti HIV é orientação hoje do Ministério da Saúde, através das Campanhas Fique Sabendo. Procure um serviço de Saúde com seu seu parceiro(s) e faça o teste. É importante saber! Depois dos resultados dos exames o seu diálogo com esse parceiro pode ser outro. Veja o link: Ministério da Saúde – Campanha “Atitude contra a Aids”.
São esses os aspectos que queríamos abordar nesse post. Reconhecemos que o tema é muito amplo e há muitos outros aspectos a discutir e aprofundar como: preservativos masculino e femininos, gel – lubrificante íntimo, relações homoafetivas, entre tantos outros. Mas… esses assuntos merecem outro post.
Para saber mais, acesse:
Profissionais de saúde precisam vencer estigmas sobre aids em idosos – Agência de Notícias da Aids
CRDST/AIDS – Estado de São Paulo
Programa Municipal DST/AIDS São Paulo
Foto do laço: Sully Pixel